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quinta-feira, 23 de junho de 2016

Festas Juninas para fechar o meio do ano



 Luiz Henrique Gurgel

Muitos séculos antes da marchinha junina “pula fogueira iaiá, pula fogueira ioiô”, povos pagãos da Europa já juntavam madeira, punham fogo e dançavam em volta para festejar o solstício de verão - que é de inverno aqui no hemisfério sul do planeta -, período em que no norte os dias ficam bem maiores que as noites, exatamente o contrário do que ocorre aqui no sul. E isso para os europeus em geral, mas especialmente para os do norte do continente, era um motivo e tanto para festa, pois além das temperaturas aumentarem, começavam os tempos de colheitas e, portanto, de comida. Sem falar que o inverno em regiões no extremo norte, como na atual Finlândia, chega a ter apenas seis horas de luz solar. Em outros lugares, como a Lapônia, em dezembro o sol não aparece ou apenas dá uma passadinha no horizonte e já se põe. O restante é uma noite só e ainda por cima bem gelada.
Por isso dançar e comemorar em volta de uma fogueira se transformou numa das festas mais importantes para esses povos. As fogueiras eram símbolos de fertilidade - como nas juninas de hoje, lá também se realizavam casamentos – e também de renascimento e até de proteção contra “maus espíritos”. Com a cristianização dos europeus, esses encontros pagãos foram se transformando e a fogueira para celebrar o solstício foi ganhando novo significado e se fixando, pouco a pouco, desde a Idade Média, no dia 24 de junho, para celebrar São João Batista. Conta a tradição cristã que Isabel, mãe de João Batista e prima de Maria, mãe de Jesus, acendeu uma fogueira para avisar à prima do nascimento de João nesse dia.

Até hoje a fogueira de São João é acesa nas festas europeias, de norte a sul e de leste a oeste do continente. E não se espalharam apenas pelo Brasil, países como Canadá, Estados Unidos, Porto Rico e Austrália também organizam, a seu modo, “arraiás”.
Nossa herança festeira é portuguesa e eram originalmente chamadas de “Festa Joanina”, em homenagem a São João. Há também quem diga que “junina” viria de junho, o mês das celebrações, e as notícias mais antigas dizem que elas ocorrem por aqui ao menos desde 1583. A simbologia rural também sempre esteve associada às comemorações, aconteciam sempre às vésperas do período de colheita de alguns alimentos, especialmente o milho.

Tornada uma das mais importantes festas populares do Brasil, permanece seja nos tradicionais arraiais rurais no interior, com quermesses em igrejas, ou nas grandes metrópoles. Há também as festas gigantescas, como as de Caruaru (Pernambuco) e Campina Grande (Paraíba), ou as festas dos bois de Parintins (boi-bumbá) e do Maranhão (bumba-meu-boi).

 Também tem Santo Antônio e São Pedro

Apesar das celebrações surgirem por causa de São João, outros dois santos católicos entraram na festa. Dia 13 é a data de morte de Santo Antônio de Pádua, franciscano português que se chamava, na verdade Fernando de Bulhões. É o santo católico mais popular do ocidente e, especialmente no Brasil, o mais cultuado por quem busca casamento. Câmara Cascudo cita em seu Dicionário do Folclore Brasileiro, uma antiga e marota quadrinha para o santo, entoada por mulheres solteiras desde tempos imemoriais: “Meu Santo Antônio querido, eu vos peço, por quem sois;/ Dai-me o primeiro marido,/ Que o outro arranjo depois”.

São Pedro é mais celebrado em arraiais litorâneos, é padroeiro dos pescadores e é quem encerra as festas do mês. Dia 29 é considerada como a data de seu martírio em Roma.

É provável que não haja escola no Brasil que não inclua as Festas Juninas em seu calendário oficial. Elas marcam o fim de um semestre e o início das férias de meio de ano. Período mais que apropriado de celebração e de parada para recomeçar o trabalho em agosto.

O que as Festas Juninas inspiraram em Bandeira, Graciliano e Drummond

A festa também deixou suas marcas em alguns escritores brasileiros. Num dos mais belos poemas de Manuel Bandeira, “Profundamente”, do livro Libertinagem (1930), uma Festa de São João em família, recordada pelo poeta, serve de elo para ligar sua infância à vida adulta, no presente: “Quando eu tinha seis anos/Não pude ver o fim da festa de São João/ Porque adormeci/ Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo (...)/ Estão todos dormindo/Estão todos deitados/Dormindo/Profundamente”.

Em livro anterior, O Ritmo Dissoluto (1924), usa os balõezinhos de São João em outro belo poema, “Na Rua do Sabão”, como símbolo para o homem que quer voar, elevar-se e viajar, sem controle: “Ele foi subindo... muito serenamente... para muito longe.../ Não caiu na Rua do Sabão./ Caiu muito longe... Caiu no mar – nas águas puras do mar alto”.

O alagoano Graciliano Ramos incluiu num de seus mais importantes romances, São Bernardo (1934), uma típica festa junina do interior nordestino: “Nas noites de São João, uma fogueira enorme iluminava a casa de seu Ribeiro. Havia fogueiras diante das outras casas, mas a fogueira do major tinha muitas carradas de lenha. As moças e os rapazes andavam em redor dela, de braço dado. Assava-se milho verde nas brasas e davam-se tiros medonhos de bacamarte. O major possuía um bacamarte, mas o bacamarte só desenferrujava nos festejos de São João.”

Carlos Drummond de Andrade também usou algo típico da festa junina – a dança - para falar das agruras do amor. A alusão está no famoso poema “Quadrilha”, do seu primeiro livro Alguma Poesia (1930): “João amava Teresa que amava Raimundo/que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili/que não amava ninguém./João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento, Raimundo morreu de desastre (...)”.

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